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Manotopia, livro que expõe o sexismo no Vale do Silício é um dos próximos lançamentos da Alta Books

De nerds antissociais a líderes mundiais. Em Manotopia, a autora Emily Chang desvenda como o mito do “jovem nerd gênio das ciências exatas” se propagou no mundo da tecnologia, como ele consequentemente acabou afastando as mulheres de uma das indústrias mais lucrativas da atualidade e quais são as consequências da falta de representação feminina.

Muitos dos jovens recém-saídos das principais faculdades dos Estados Unidos conquistaram o setor tecnológico com suas ideias inovadoras. Vistos como “estranhos” durante os tempos de estudante e excluídos das principais atividades sociais, era de se esperar que esses jovens, ao atingirem o topo, viabilizassem mudanças na estrutura social vigente. Mas em vez disso, ao se verem como integrantes da classe dominante, simplesmente passaram a colher os frutos dela.

No “clube dos manos”, isso significa acesso quase ilimitado a basicamente três coisas: bens materiais, status e mulheres. Ao destrinchar o comportamento desses homens, Emily conclui que a verdadeira busca deles é recuperar o tempo perdido, ao contrário do que prega a utopia do Vale que faz crer que todos trabalham lá exaustivamente somente para mudar o mundo através de revoluções tecnológicas.

Outro aspecto da utopia do Vale seria a propagação da meritocracia, em que todos acreditam ter alcançado seus cargos de alto nível, através apenas de seus próprios méritos e esforços. Emily não nega o talento desses homens, mas expõe um sistema de favorecimento, que os beneficia desde o momento de suas contratações até as promoções e vantagens que recebem ao longo da carreira.

Um dos exemplos desse sistema de favorecimento é a chamada Máfia Paypal, um grupo que usa uma estratégia de contratação baseada na indicação de amigos e ex-colegas de faculdade para justificar o sucesso da empresa. Ou seja, sem avaliação de currículos para aquisição de novos talentos. Quando questionado sobre o motivo de não haver mulheres na Paypal, Max Levchin, um dos cofundadores da firma, foi enfático: “Porque não conhecíamos nenhuma”. Ainda assim, eles insistiam que era a pura meritocracia em ação. Keith Rabois, outro membro da máfia, chegou a descrever a empresa como uma “perfeita validação de mérito”.

Como as coisas chegaram nesse ponto? Por que há tão poucas mulheres nas áreas tecnológicas?

Emily Chang faz questão de logo esclarecer que a indústria da tecnologia não nasceu predominantemente masculina, houve um afastamento progressivo das mulheres. Ainda nos primórdios, elas desempenharam um papel fundamental para o avanço do setor.

A matemática Ada Lovelace, por exemplo, desenvolveu em 1842 o primeiro programa de computador do universo. A almirante e matemática Grace Hopper ajudou a criar a linguagem de programação Cobol, uma das mais usadas no mundo. Em 1984, 40% dos diplomas de ciência da computação foram destinados a mulheres, enquanto dados mais recentes indicam que elas representam apenas 22% dentre os graduados.

No entanto, por mais que os números importem, o que provavelmente chama mais atenção em Manotopia são os relatos sobre os bastidores das grandes empresas de tecnologia: casos de assédio sexual e festas regadas a álcool e drogas fazem parte da rotina.

Se as festas ficassem apenas nas vidas particulares dos envolvidos, o problema não seria tão grave. Porém, esse “estilo de vida” gera consequências em como os negócios são feitos no Vale do Silício.

Há “reuniões” agendadas em clubes de strips, negócios são fechados em festas exclusivas que duram um fim de semana inteiro, e para as mulheres, fazer parte desse sistema nunca é recompensador. “Se você participar dessas festas sexuais, nunca pense em abrir uma empresa ou ter alguém investindo em você. Essas portas se fecham. Mas, se não participar, você está excluída. Está condenada se for e condenada se não for”, revela uma empresária que preferiu manter sua identidade sob sigilo no livro.

A exclusão das mulheres não é uma questão que importa apenas para aquelas que estão ou desejam ingressas na área tecnológica, atinge também a população feminina que usuárias dessas tecnologias. Desde problemas que parecem mais superficiais, como o fato de que os produtos são pensados para a anatomia masculina, até os mais preocupantes como o caso de alguns assistentes virtuais que até 2016 te ajudariam com informações úteis caso fosse digitado: “Estou tendo um ataque cardíaco”, enquanto frases como “Estou sendo estuprada” ou “Estou sendo abusada pelo meu marido” seriam respondidas com “Não entendo o que é isso”.

Porém, Emily enxerga com otimismo o futuro do Vale do Silício: “Algumas meninas ainda estão recebendo a mensagem que receberam na década de 1970: os computadores são para meninos. Mas, ao mesmo tempo, mais escolas ensinam ciência da computação como nunca antes, e mais meninas estão se inscrevendo”.